Ontem eu fui à
Fourvière.
É uma igreja do fim
do século XIX, muito bonita, que está em restauração. Ela fica no
alto de um monte de onde se vê toda a cidade. A cidade é linda, o
céu estava azul, azul.
Eu passei toda a tarde
nesse passeio. Subi o monte por umas ruazinhas curveantes, com muros
e plantas dos dois lados, e não pude ver a cidade até chegar aos
teatros galo-romanos, uma das coisas mais incríveis que vi com meus
próprios olhos.
Os teatros e os restos de construção em volta tem quase dois mil anos, são enormes, todos de pedra. Muitos dos restos a gente não entende o que eram originalmente, são só os restos. Mas são restos enormes, sólidos, de dois mil anos – não é qualquer coisa. A gente vê e pensa o que se passou por ali. Os teatros abrigam 13 mil pessoas, que provavelmente moravam aqui na beira dos rios. É muita gente para o século I. O que tinha na Europa nessa época? A gente não faz ideia de quanta gente passou pela terra e onde. Quantos povos contribuíram para o sumiço de algumas partes, quantas guerras passaram exatamente por ali, quantas pessoas nasceram e morreram nesse meio tempo. Daí a gente fica pensando um pouco em o que dura 2 mil anos. O quê, além das pedras encrustadas na colina, na direção certa do vento, para que quando um falasse todos escutassem? Certamente não duram dois mil anos essas construções de aço e vidro de hoje. Dois mil anos! Não sobra nada em dois mil anos! Daí a gente é tão pequenininho, que até se assusta. Temos que viver. E agora. Temos que nos dar conta de que estamos vivendo, é urgente e muito sério que sorvamos tudo isso com gosto, que aproveitemos os segundos e percamos menos tempo com coisas bobas, porque o que é real é o insólito, pequeno e infinito pedaço de agora que a gente vive.
Os teatros e os restos de construção em volta tem quase dois mil anos, são enormes, todos de pedra. Muitos dos restos a gente não entende o que eram originalmente, são só os restos. Mas são restos enormes, sólidos, de dois mil anos – não é qualquer coisa. A gente vê e pensa o que se passou por ali. Os teatros abrigam 13 mil pessoas, que provavelmente moravam aqui na beira dos rios. É muita gente para o século I. O que tinha na Europa nessa época? A gente não faz ideia de quanta gente passou pela terra e onde. Quantos povos contribuíram para o sumiço de algumas partes, quantas guerras passaram exatamente por ali, quantas pessoas nasceram e morreram nesse meio tempo. Daí a gente fica pensando um pouco em o que dura 2 mil anos. O quê, além das pedras encrustadas na colina, na direção certa do vento, para que quando um falasse todos escutassem? Certamente não duram dois mil anos essas construções de aço e vidro de hoje. Dois mil anos! Não sobra nada em dois mil anos! Daí a gente é tão pequenininho, que até se assusta. Temos que viver. E agora. Temos que nos dar conta de que estamos vivendo, é urgente e muito sério que sorvamos tudo isso com gosto, que aproveitemos os segundos e percamos menos tempo com coisas bobas, porque o que é real é o insólito, pequeno e infinito pedaço de agora que a gente vive.
Não sei o que
acontece, eu não consegui formular ainda, mas fiquei muito
impressionada com o lugar. E além disso dá uma saudade desse povo
que foi e é sempre comigo.
Ainda não consigo
falar direito com as pessoas em francês, é nessa hora que os queridos fazem
mais falta. Daí é bom escrever, é como se eu estivesse mais perto.
E posso filtrar o que é realmente importante do que acontece por
aqui, além de reafirmar o que é realmente importante na vida,
que não são esses vinte ou dois mil anos, mas é o que a gente tem,
cria, estabelece, aquilo pelo que a gente zela, aquilo que a gente
lembra quando tem medo, as pessoas com quem a gente quer falar só
para passar um bom tempo.
Sem isso, a fugacidade das coisas realmente assusta. Foi o que bastou para que eu escrevesse o primeiro cartão postal, para meus pais (que ainda não postei, aliás).
Sem isso, a fugacidade das coisas realmente assusta. Foi o que bastou para que eu escrevesse o primeiro cartão postal, para meus pais (que ainda não postei, aliás).
Depois eu fui visitar
a grande igreja de Fourvière. E quando eu estava lá, olhando,
entrando, a visitação terminou porque a missa ia começar. Sem
saber exatamente que queria ir à missa, me senti como que chamada a
isso, pela coincidência das coisas, e fiquei. Foi engraçado ouvir
tudo em francês, deu até para entender uma coisa ou outra. Fiquei pensando, e não sei o quanto a gente precisa de Deus para nos confortar.
Não sei o quanto isso funciona para cada um, não sei nem o quanto
funciona para mim. Fico entre a tentativa de acreditar em alguma
transcendência (ou imanência, mesmo, mas não é fácil,
mesmo assim) e a tentativa de treinar aceitar um estar-sozinha no
mundo, que às vezes é difícil, e que já ouvi ser orgulho – quem
sabe? No mínimo, posso dizer que foi bom reencontrar, depois desse
deslumbramento, uma certa tradição a qual eu devo algo que não sei
bem o quê.
E o sentimento de
calma, que começou com o cartão-postal, foi ficando comigo pelo fim
da tarde. Vi a cidade inteira do mirante da igreja, e depois fui
descendo muitas escadinhas até chegar à beira do rio, e vim
“beiradiando” o rio até em casa. Foi uma boa tarde de domingo, de verdade.
Quanto à hoje, foi
mais sucinto. Acordei bem tarde, fiquei à procura de lugar para
dormir amanhã, porque não reservei aqui onde estou com suficiente
antecedência. Encontrei. Eu também pensei que tivesse perdido a senha do
meu cartão de crédito, o que seria algo suficientemente grave. Mas
encontrei também (e pude alugar uma bicicleta para passear. Uma
delícia pedalar aqui - mais tranquilo do que no centro de Três
Lagoas). É engraçado, eu penso que faço as coisas com pouca
prudência, muitas vezes; a cabeça em outro lugar. Depois me
preocupo demais e me culpo por não ter tomado cuidado. E depois
sempre acontece alguma coisa que ameniza o problema, é o mais
engraçado isso.
E minha mãe sempre me
dizendo para confiar – mães costumam saber das coisas. Mas eu sou
teimosa nos meus medos. Até admito: talvez acreditar em Deus
ajudasse. Mas é que, confesso, me parece um pouco mesquinho
mobilizar toda uma ontologia só para isso. Eu devia simplesmente
tomar mais cuidado antes, e aceitar as coisas depois. Ou posso tentar
o amor fati nietzschiano e, aconteça não importa o quê, querer que
as coisas se repitam exatamente como foram. Ou fazer uma sopa com tudo isso. Vamos
vendo, né, como encarar cada coisa dessa vida. Mas, sobretudo, vou tentar me
inspirar na confiança de mamãe, e ter coragem sempre que me sentir pequenininha.
Beijo a vocês queridos, até breve!
Beijo a vocês queridos, até breve!