Lembro, não é a primeira vez que choro no primeiro dia do ano. Tristezas à parte, eu gosto. Dá a sensação de que o que se inicia será catártico: nós serão desfeitos pra que outros laços sejam dados. Começados, recomeçamos.
Hora da esperança, essa da virada. A idéia que temos quando vamos dormir: amanhã é um novo dia. A ideia que temos quando nasce alguém: aí está a promessa de um novo mundo.
Mas esse mundo hodierno é muito antigo, parece mesmo que ele sempre existiu, ou foi feito pra existir exatamente assim exatamente agora. Ele está fadado a isso, mas e depois? Será tão velho que seria hora de mudá-lo, ou será tão velho, que irreversível?
Os humanistas diriam que nada está escrito, e todos os filósofos (ou quase todos) insistem em afirmar nossa liberdade ante o mundo. Nosso nado altera o curso do rio (senão, todas as especulações morais seriam inúteis), essa ideia nos dá uma tarefa, nos coloca uma transcendência, não anterior a nós, mas a partir da gente. E crer na liberdade humana é crer em sua importância. É afirmar o quanto o projeto precisa se realizar.
É preciso a cada dia, a cada ano, a cada oportunidade, ser alguém melhor e fazer do mundo um lugar melhor. No fundo não é ressentimento nem culpa, é presunção. Uma pequena narrativa heróica de si mesmo, onde o modo como tomamos café importa.
E no ano que se inicia importa: chegar na hora, ouvir as pessoas, estar presente, melhorar o programa de aulas, mandar mais cartas, cumprir os combinados, estudar filosofia, aprender a escrever, cantar e dançar.
O ano mal começou, e já são tantas as tarefas, que a esperança do novo claudica e se apequena.
Não sobrevive sozinha, porque o velho está lá. As velhas tarefas, os velhos hábitos. E ficamos à espera da catarse. É o choro, o desamparo, a fragilidade e a quebra que nos levarão ao porvir.
E será um porvir tão errado quanto o que passou. Mas diferente, essa é a nossa pretensão e a nossa esperança.