terça-feira, 5 de maio de 2015

Largura

Três coisas largas sempre me impressionaram em Três Lagoas. Os rios, o céu e as ruas. São largos como é largo o chão, como é largo o horizonte, onde quer que seja, embora nem de todo lugar possamos vê-los assim, largos.
A cidade onde nasci não tem céu largo, tampouco tem largo o horizonte.
Nasci sobre as montanhas, um pouco mais perto do céu. Adoro lugares altos, e temo-os. Sou temente a essas coisas grandes que não dá pra explicar. Deus, na sua forma de horizonte, de mar, de chão, de chuva, de pedra, de céu, de avião, de morte, de desconhecido.
Teresópolis me assusta de um jeito peculiar. Três Lagoas me assusta de outro jeito peculiar, e São Paulo ainda de outro.
Queria viver menos assustada. Uma hora decidi que o medo era instrumento de poder que eu devia evitar. Daí olho sempre pra confiança da minha mãe, quando penso nisso. Acho que ela não sabe ou não liga, mas pra mim ela é um exemplo que eu queria seguir de perseverança, de fé em Deus na forma de vida. Por isso voltar pra casa dela é bom independente do quanto seja boa cada visita em particular.
Porque de quando em quando tenho que olhar pra ela pra ver que é possível ser temente a Deus e confiar nele.
Penso que seja, de formas diferentes, um projeto dela e de meu pai, que estava hoje insistindo pra que usássemos Deus num sentido espinosano (ele não vai gostar dessa palavra, preferiria que eu dissesse "deus num sentido razoável, no único possível" ).
Fato é que tanta insistência funciona de vez em quando. Estou eu na estrada, voltando pra Paulicéia enorme e louca, olhando pra essa imensidão quieta do mundo, pensando na fé de minha mãe e vendo a palavra Deus do jeito que meu pai queria.
Assim volto pra rotina de destino desconhecido, mas determinado:
Olhando as ruas largas, os postes amarelos, depois a represa enorme, na divisa dos estados. O céu claro refletido na água e a terra escura dividindo ambos. As nuvens fazendo aparecer e desaparecer a lua, desde antes de entrar no ônibus.
A estrada que segue.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Um balanço range

Do décimo quarto andar de um prédio, ouço o rangido de um balanço de parquinho: uma criança se balança.
Olhando o Facebook, vendo notícias ruins, outras piores, seguidas de comentários sem empatia... Precisa ser uma criança no balanço. Mas o rangido alcança o décimo quarto andar?
Vou até a janela. A noite calma. Em frente não tem movimento, ao longe, barulho de trânsito. Homens jogando futebol numa quadra iluminada. A luz da noite, da iluminação (ainda) pública, com esses postes amarelos, sempre me comove, sou besta. Espero sem ansiedade o dia em que trocarão tudo por LED e eu fique sem minhas luzes amarelas. Divago.
Olho pro céu, algumas estrelas. As coisas que existem são um conjunto enorme, nós somos mesmo nada. Lá de cima, não se ouve nada.
Mas daqui dá pra ver a rua que sobe o morro - a favela - em frente.
Dá pra ver um parquinho, logo perto. Não dá pra ver balanço.
Melhor não pegar os óculos. Era um balanço, não importa.
Não resisto. Olho em volta, os óculos a mão, em cima da mesa.
Volto à janela. A bola do futebol é laranja. Um homem caminhando. Um ônibus subindo a rua que sobe o morro. Quem vai no ônibus? Pessoas falando. Um velho sentado à uma mesa, conversando, em um apartamento de um prédio em frente. Lá, bem abaixo, no chão, um casal se abraça num banco. Agora reflito: não é uma praça, é o térreo de um condomínio. Devia ser uma praça, mas é um condomínio. Por que não uma praça? É horrível que não seja uma praça. O som do balanço.
No parquinho, por entre as árvores, bem difícil de enxergar, algo se mexe no ritmo do rangido.
A esperança é assim, tem de ser assim. Olha para onde pode. Só resiste se se alimentar daquilo que necessita:
Do décimo quarto andar de um prédio, ouço: uma criança se balança.