quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Ao pé da árvore

Ia escrever.

Mas não sabia. Estava receosa. Não escrevia há tanto tempo.

Escrever era bom, pelo que ela podia lembrar. Aliviava. Era estranho. Mas era bom.

O problema é que ela gostava tanto, que não escrevia.

Ela gostava. Adorava escrever. E escrever algo ruim, pensava, não valia a pena. Pra quê desperdiçar palavras e construções – idéias não, suas idéias ela não prezava tanto – à toa, palavras que poderiam servir pra descrever idéias tão mais relevantes... E ela usaria assim, indiscriminadamente, só por falta do que fazer?

Não, não era muito justo.

Escrever por falta do que fazer! Não podia...

E... Simplesmente sair escrevendo, era assim que ela gostava.

Sem mistérios, sem pompas, sem problemas, sem implicações nem implicâncias. As palavras apareciam, ela escrevia, lia, gostava. Ou não. E mudava, mexia em uma coisinha ou outra. E pronto.

E pronto, mesmo.

Sem finais esplêndidos, ou morais no final da história. Sem idéias grandiosas, sem mensagens, sem mistérios, sem nada demais, nem nada que alguém comum não pudesse fazer.

Não, ela não queria ser alguém comum. Mas, poxa, que havia de errado com isso? E se fosse? Não queria, mas isso não é coisa que se escolhe. Ela era e pronto.

Por que não escrever?

Escrever era algo tão singelo, pra ela.

Tão interessante, tão delicado.

Tanto, que, desperdiçar escrita pra transmitir meias idéias simplesmente não valia a pena. Nem a tinta, nem o papel.

“Mas é tudo reutilizável, a gente recicla!”

Escrever pra não dizer nada. É mesmo válido?

“Válido é se sentir bem”, dizia uma voz afável ao longe.

Ela pegou o papel. Riscou. Um, dois, três versos. Sorriu e depois dormiu, ao pé da árvore.

2 comentários:

  1. Primeiro desacordo:

    Maria!

    A tristeza que era abrir seu blog e esbarrar toda vez naquele "Sem texto, mas com vídeo". E depois de uns dias, encontro isso! Tão singelo e espontâneo! ah, mas eu não sei o que vem a ser singelo e espontâneo e digo assim mesmo. Era tão bom quando escrever não esbarrava em nada. Só escrever e pronto, o sol desenhado no chão depois da chuva, como coisa que veio sem porquê. Rabisco no muro. Era tão bom quando escrever era só escrever e não rompia com nada que fosse nascido na infância. Maria, Maria, e isso tudo, isso tudo-nada que você diz me traz o arrependimento e a dor: onde me perdi? Em que ponto escrever deixou de ser bom pra mim? Em que instante, desacordo ou curva nasceu a pretensão? Onde eu deixei o menino que era só alguém escrevendo qualquer coisa e onde comecei a construir isto que sou (que penso ser), o sujeito que pensa escrever o que pensa sentir?
    Só me sobrou o desalento.

    P.S.: Seu blog está lindo!

    ResponderExcluir
  2. Adorei seu texto. Escrever é isso: um ato de desapego.
    Outra coisa que gostei muito foi da imagem acima, as dos bonequinhos. Baita criatividade!
    Abraço!

    ResponderExcluir