segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Monte de Fourvière


Ontem eu fui à Fourvière.
É uma igreja do fim do século XIX, muito bonita, que está em restauração. Ela fica no alto de um monte de onde se vê toda a cidade. A cidade é linda, o céu estava azul, azul.
Eu passei toda a tarde nesse passeio. Subi o monte por umas ruazinhas curveantes, com muros e plantas dos dois lados, e não pude ver a cidade até chegar aos teatros galo-romanos, uma das coisas mais incríveis que vi com meus próprios olhos.
Os teatros e os restos de construção em volta tem quase dois mil anos, são enormes, todos de pedra. Muitos dos restos a gente não entende o que eram originalmente, são só os restos. Mas são restos enormes, sólidos, de dois mil anos – não é qualquer coisa. A gente vê e pensa o que se passou por ali. Os teatros abrigam 13 mil pessoas, que provavelmente moravam aqui na beira dos rios. É muita gente para o século I. O que tinha na Europa nessa época? A gente não faz ideia de quanta gente passou pela terra e onde. Quantos povos contribuíram para o sumiço de algumas partes, quantas guerras passaram exatamente por ali, quantas pessoas nasceram e morreram nesse meio tempo. Daí a gente fica pensando um pouco em o que dura 2 mil anos. O quê, além das pedras encrustadas na colina, na direção certa do vento, para que quando um falasse todos escutassem? Certamente não duram dois mil anos essas construções de aço e vidro de hoje. Dois mil anos! Não sobra nada em dois mil anos! Daí a gente é tão pequenininho, que até se assusta. Temos que viver. E agora. Temos que nos dar conta de que estamos vivendo, é urgente e muito sério que sorvamos tudo isso com gosto, que aproveitemos os segundos e percamos menos tempo com coisas bobas, porque o que é real é o insólito, pequeno e infinito pedaço de agora que a gente vive.
Não sei o que acontece, eu não consegui formular ainda, mas fiquei muito impressionada com o lugar. E além disso dá uma saudade desse povo que foi e é sempre comigo.
Ainda não consigo falar direito com as pessoas em francês, é nessa hora que os queridos fazem mais falta. Daí é bom escrever, é como se eu estivesse mais perto. E posso filtrar o que é realmente importante do que acontece por aqui, além de reafirmar o que é realmente importante na vida, que não são esses vinte ou dois mil anos, mas é o que a gente tem, cria, estabelece, aquilo pelo que a gente zela, aquilo que a gente lembra quando tem medo, as pessoas com quem a gente quer falar só para passar um bom tempo.
Sem isso, a fugacidade das coisas realmente assusta. Foi o que bastou para que eu escrevesse o primeiro cartão postal, para meus pais (que ainda não postei, aliás).
Depois eu fui visitar a grande igreja de Fourvière. E quando eu estava lá, olhando, entrando, a visitação terminou porque a missa ia começar. Sem saber exatamente que queria ir à missa, me senti como que chamada a isso, pela coincidência das coisas, e fiquei. Foi engraçado ouvir tudo em francês, deu até para entender uma coisa ou outra. Fiquei pensando, e não sei o quanto a gente precisa de Deus para nos confortar. Não sei o quanto isso funciona para cada um, não sei nem o quanto funciona para mim. Fico entre a tentativa de acreditar em alguma transcendência (ou imanência, mesmo, mas não é fácil, mesmo assim) e a tentativa de treinar aceitar um estar-sozinha no mundo, que às vezes é difícil, e que já ouvi ser orgulho – quem sabe? No mínimo, posso dizer que foi bom reencontrar, depois desse deslumbramento, uma certa tradição a qual eu devo algo que não sei bem o quê.
E o sentimento de calma, que começou com o cartão-postal, foi ficando comigo pelo fim da tarde. Vi a cidade inteira do mirante da igreja, e depois fui descendo muitas escadinhas até chegar à beira do rio, e vim “beiradiando” o rio até em casa. Foi uma boa tarde de domingo, de verdade.
Quanto à hoje, foi mais sucinto. Acordei bem tarde, fiquei à procura de lugar para dormir amanhã, porque não reservei aqui onde estou com suficiente antecedência. Encontrei. Eu também pensei que tivesse perdido a senha do meu cartão de crédito, o que seria algo suficientemente grave. Mas encontrei também (e pude alugar uma bicicleta para passear. Uma delícia pedalar aqui - mais tranquilo do que no centro de Três Lagoas). É engraçado, eu penso que faço as coisas com pouca prudência, muitas vezes; a cabeça em outro lugar. Depois me preocupo demais e me culpo por não ter tomado cuidado. E depois sempre acontece alguma coisa que ameniza o problema, é o mais engraçado isso.
E minha mãe sempre me dizendo para confiar – mães costumam saber das coisas. Mas eu sou teimosa nos meus medos. Até admito: talvez acreditar em Deus ajudasse. Mas é que, confesso, me parece um pouco mesquinho mobilizar toda uma ontologia só para isso. Eu devia simplesmente tomar mais cuidado antes, e aceitar as coisas depois. Ou posso tentar o amor fati nietzschiano e, aconteça não importa o quê, querer que as coisas se repitam exatamente como foram. Ou fazer uma sopa com tudo isso. Vamos vendo, né, como encarar cada coisa dessa vida. Mas, sobretudo, vou tentar me inspirar na confiança de mamãe, e ter coragem sempre que me sentir pequenininha.
Beijo a vocês queridos, até breve!

5 comentários:

  1. Como é gostoso ler seus textos... encantante! Acabo de acordar e abro seu blog pra postar algo nos outros dois que já li e me emocionei, e pra minha surpresa encontro mais um! Oba! Como disseram os tios, a gente fica aqui esperando seus textos!!
    Somos pequeninos mesmo, mas somos enormes tb! Tudo depende de como vemos as coisas, dizem q temos o mundo dentro da gente. Corajosa a senhorita já é!! Concordo que deva ser um pouco mais cuidadosa, fico mais tranquila aqui! rs!
    Te amo e morro de saudade, acho que a saudade aumenta com a distância...
    Ana

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    1. É muito gostoso saber que vc me acompanha! Ah, não sei como é pra vcs, mas eu fico com muita saudade de vocês, de falar português, vontade de contar as novidades, vontade de que vocês tivessem aqui comigo! Às vezes saudade é ruim, mas eu tenho ficado muito feliz de ter saudade de tanta gente, tanta saudade. Desse jeito a gente se sente alguém no mundo. Existindo de verdade. Sabe? Sei lá.
      Te amo mesmo! rs. Beijo!

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  2. Maria, o que dura 2 mil anos? Acho que um pouco do que somos atravessa "as existências". Algo de cada um de nós vai persistir, mas algo não palpável. O seu texto caiu como uma luva no meu dia cinzento. Obrigada, querida. Boa semana para você.
    Marta Denise

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    1. eu quem agradeço, tia! Como eu já escrevi, eu escrevo um pouco pra mim, mas muito por causa de vcs, pensando em vcs, pra matar a saudade, me comunicar - me expressar - um pouquinho. Então é muito bom saber que vc lê e que gosta. Me sinto muito querida por vc sempre, vc nem imagina o quanto isso é bom. E toda vez que como uma comida gostosa aqui, sabe de quem eu lembro, né? Haha. Um beijo enorme!

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  3. Fico com o coração apertado ao ler seus apuros...

    ao mesmo tempo é bom saber está solucionando todos esses problemas!

    e é bom também comprtilhar com você essa experiência!

    Precisando... estamos logo aqui!

    até breve!

    Um Grande Beijo!

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