O tempo é mesmo uma coisa engraçada, né?
Não tinha me dado conta de que já conta uma semana que não desabafo assim, à baciada.
Essa semana precisei desabafar com um e outro um pouquinho de cada vez, porque estava muito ansiosa por causa de casa.
Parece realmente difícil achar casa aqui, em plena volta às aulas. Nesse momento a maioria das casas já tem pessoas e essa minoria das pessoas que ainda não tem casa parece sozinha um enxame imenso de estudantes.
Em meio à dificuldade, fico um pouco nervosa e o nervosismo não tem muito por onde escoar - ninguém para brigar, ninguém em quem botar a culpa: só eu e eu. Daí me refugio na distração, esse analgésico universal, enquanto vou tentando fazer o possível.
A distração é uma coisa engraçada, como todo analgésico. Porque é claro que a persistência da dor não cura, mas a ausência dela também não significa muita coisa. Às vezes parar a dor te deixa mais hábil para lidar com o problema, às vezes te deixa distraído dele e o mal vai se intensificando escondido. Há que se distrair mas não tanto.
Sabendo disso, toda distração excessiva e qualquer falta de esforço causam mal estar. Que por sua vez faz com que você se permita distrações tendo em vista se sentir bem para poder resolver os problemas. É um ciclo vicioso que eu tento evitar durante toda a minha vida. Não é novidade, mas é sempre uma outra esperança de aprender um pouco.
É engraçado que a gente sabe que fica feliz quando faz nossa parte, mas mesmo assim a gente demora pra fazer nossa parte. Vai entender, né.
Está aí o motivo de eu não ter vindo dar notícias. Não podia dar notícias de minhas distrações, porque seria mais uma distração, escrever sobre o problema também não ajudaria a resolver e seria mais uma distração.
Reclamar é uma distração que a gente comete frequentemente, também, sem se dar conta de que na verdade é só outro jeito de postergar as coisas.
Mas escrevendo sinceramente, teria que entrar nesse problema de postergar problemas, e encarar problemas assim, por escrito, não é muito confortável. Eu frequentemente "encontro problema em tudo", segundo algumas pessoas - o que me traz uma espécie de orgulho de uma coragem um tanto estúpida. Mas por escrito é pior.
Porque escrever é uma coisa tão íntima para mim quanto pensar, nenhum dos dois admite algo que não seja genuinamente pessoal, mas escrever é mais grave e por isso mais difícil. Em pensando, você vai, corre, para, escolhe um caminho, volta pelo outro, conversa sozinha, dá um devolteio, passa pelo mesmo lugar de onde saiu, muda de direção e esquece tudo: ufa. Em nós uma biblioteca de Alexandria precisa também ser queimada de tempo em tempo.
Tem muita gente que diz que não precisa de psicólogo porque pode fazer sozinha essa auto-reflexão.
Eu acho que todo mundo pode fazer essa auto-reflexão, mas acho que a gente evita, na maior parte do tempo. E tem isso: por mais que a gente converse sozinha, se fixar aquela idéia promissora que te ocorreu ontem à tarde já é difícil, imagina lembrar dos problemas. Concedo um parêntese, é claro: problemas gostam de aparecer, ficam pulando na nossa frente e não deixam a gente olhar pra nada com calma. Claro que a gente lembra dos problemas.
Mas o caso é que escrever os problemas (e talvez "contar" os problemas tenha um caráter parecido) é outra coisa. Você pensa para escrever, de modo que, a rigor, não deveria escrever sobre um problema. Você já pensou, já achou uma solução - ou já descobriu que na verdade não se tratava daquele problema, e pronto, o que você escreve é uma outra coisa. É quase um parecer. Que ficará fixado para outros tempos e quiçá outras pessoas. Que perigo.
Outro parêntese, só por via das dúvidas: Claro que não falo de um problema filosófico. Convenhamos, isso é brincadeirinha. Por mais grave que seja o problema do significante e do significado, ele é um pequeno quebra-cabeças. É diferente de todas as coisas que você, sozinho, deveria ter resolvido consigo mesmo e não resolveu. É completamente diferente. É sua vida e sua estupidez, é você pequenininho e frágil. Geralmente, quando a gente chega nesse ponto, a gente para.
Se a gente está pensando, a gente dá meia volta, muda de assunto e pronto. Se a gente está contando pra alguém é mais difícil se distrair, porque tem aquela coisa da objetividade da comunicação, mas se a gente está escrevendo, aí pronto: tem que ter muita coragem para lidar com seus problemas por escrito. Acho que sou uma boa pessoa para dizer dessa dificuldade visto que meus exercícios de escrita nunca duraram muito. Mas esse encarar-se me é muito caro, pelo que vale mais do que pelo que custa, de modo que as tentativas são muito persistentes. Espero que fiquem mais perenes com o passar do tempo.
Agora você percebe, junto comigo, que a enorme digressão foi também uma distração do problema que originou a digressão. Mas como já disse: falar sobre o problema também seria uma distração, visto que esse se resolve com muitas ligações e visitas, não com reclamações.
Mas, de qualquer forma, está explicado que é difícil escrever estando nervosa, visto que há a sombra de um problema não resolvido e a culpa da distração, e que é difícil escrever algo de pessoal em geral, porque você nunca sabe quando vai dar em caminhos perigosos.
À parte dos caminhos perigosos (ao menos aparentemente), estão as coisas a fazer e as distrações dos problemas:
Quinta feira tivemos uma reunião com os intercambistas (um monte!) e soube de um teste de francês que eu teria que fazer. Fiquei com medo de me enviarem de volta ao Brasil, mas depois soube que o teste tinha a finalidade de nos colocar na turma mais adequada, apenas. Ufa. Depois só fiquei com medo de acertar por acaso algumas questões (porque muitas eu respondi pelo bom senso da eufonia) e acabar indo para uma turma muito difícil. Mas acho que não acontece.
Sexta fui ver a acolhida dos alunos da filosofia, e descobri que eles têm milhões de aulas. É bem ativo o curso, deu vontade de fazer muitas matérias (já passou) e pude entender mais coisas do que eu esperava, do francês.
Tenho andado muito de bicicleta e tem feito muito calor. Domingo fui à abertura da bienal da dança, é meio que um desfile de carnaval feito em casa. Dança, dança, não tem muita. Mas tem sua graça, ver que eles conseguem criar um universo onírico com papel, pano e balões coloridos. Depois encontrei um colega do Brasil e sua namorada, ficamos conversando um tempão, misturando francês, inglês e português. Essas tentativas de entender as pessoas são ótimas.
Está um pouco mais fácil compreender as pessoas e falar algumas coisas agora.
Mas às vezes parece que o abismo entre o que é nosso e o que é estrangeiro é intransponível.
Não sei, sempre tive um problema com a intersubjetividade, com a comunicação, como se o mundo de cada um fosse muito particular e inalcançável... Não deixo de ter essa impressão, mas não dá para negar que temos lugares comuns culturais que tornam a intersubjetividade mais fácil entre pessoas que compartilham os mesmos signos.
Fico pensando como duas pessoas que falam línguas diferentes podem ter um relacionamento, e o quanto precisamos da língua para nos relacionarmos com as pessoas todas. Que signos são entendidos por todo mundo, e o quanto você é desarmado quando não compartilha os mesmos signos que o seu entorno. Você não tem nada a fazer a não ser esperar ir conhecendo devagarinho os signos alheios. Enquanto você está deslocado, eles não sabem como você lida com a sua cultura, só sabem que você não conhece a deles. "Em português eu não sou tão estúpida, sério", é o que dá vontade de dizer.
Mas não adiantaria, os seus signos incompartilháveis não são tão bons quanto os deles e o paliativo é dizer sempre "pardon pour mon français, je suis en train de apprendre", daí eles ficam todos contentes e até te ensinam alguma coisa.
Olá, querida. Estou com muita saudade.
ResponderExcluirMinha flor, quando estou perdido, peço ajuda ao espírito santo. Sempre resolveu. Experimenta.
Quanto à língua, só saindo e falando e escutando francês. Se isso estiver em falta, vá ao cinema...rs
Beijo grande, te amo, tudo vai dar certo.
:)
ExcluirSempre bom atentar ao que você diz, pai. Um beijo.
Maria, eu sempre penei com essa questão do "signo", que eu trato como pátria. Não importa se a mudança se deu entre 2 países ou dois estados ou até mesmo duas cidades, a questão do pertencimento e do estranhamento está colocada para todo e qualquer deslocamento. Quando mudei de Sampa para BH eu me senti um peixe fora d'agua. As pessoas daqui transitavam em um universo completamente diferente do meu. Fui me adaptando, mas, por vocação talvez, sigo até hoje sem pátria...Espero que vc encontre moradia em breve e fique mais solta para se distrair, ver, experimentar. Bjs da sua madrinha.
ResponderExcluirSim, sim, isso é o mais triste, outra pessoa, outro entendimento. Sempre me inquieto com a questão da intersubjetividade, o outro é sem dúvida fundamental na construção de si enquanto sujeito, mas o outro é inalcançável. Uma tristeza. rs.
ExcluirMas essa idéia de que aqui o outro é muito mais diferente do que o outro do Brasil, e do que o outro da minha família ou do meu círculo de amigos, me faz atentar a quão próximos são alguns outros, para mim. Isso não tem preço :)
Beijo!
Oi prima! Estou aqui acompanhando seu blog. Espero que você esteja bem aí em Lyon. Qualquer coisa que você queira conversar sobre filosofia, ou sobre a postergação de problemas por muito neles pensar, é só entrar em contato pelo e-mail, que ficarei contente. Ah, e quando tudo parece ficar complicado, segue a sugestão do Roberto. É uma boa sugestão! Abraço forte! Guga
ResponderExcluirEi, primo! Estou bem sim! Bom ter vc por "perto"! rs.
ExcluirBeijos pra vc, Bruna e João! :)
Agora que aprendi com sua madrinha, me arrisco por aqui, imbuida da sua coragem. É verdade como é difícil escrever, especialmente quando isso significa descrever-nos, os sentimentos mudam a cada momento, é água de rio que nunca é a mesma, mas que sempre busca o mar pelo melhor caminho.
ResponderExcluirMe fez lembrar Antônio Machado Caminhante não há caminho, o caminho se faz ao caminhar, golpe a golpe, verso a verso, bonito né?
beijoooooo
mamãe
Bonito, mãe! Beijo :)
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